sexta-feira, 8 de maio de 2009

quanto custa a banha do peixe-boi?

macabéa voltava todo dia do trabalho mergulhada em seus pensamentos. chegava em casa e verificava todas as porcas e parafusos de sua coleção para se certificar que estavam todos ali. naquela quarta-feira não foi diferente, após longas horas na máquina de escrever macabéa encosta a cadeira com estofado já desgastado pelo tempo e peso das pessoas que nela sentaram. no caminho até a estação de trem, se distraiu com uma apresentação de mágicos na rua, se emocionou ao ver o pombo saindo da cartola e acabou dando algumas moedas que ainda tinha no bolso. não, nesse dia não quis comer o tradicional quebra-queixo que sempre comia. o vendedor, ao vê-la passar direto pela sua barraca nada entendeu, e ainda questionou se não estava com pressa. com a bolsa escondendo o rosto macabéa desceu a ladeira correndo, envergonhada por não comprar o quebra-queixo do vendedor como sempre faz.
na fila da catraca ainda ria sozinha dos truques do ilusionista que vira ainda há pouco, passou pela catraca e se dirigiu à plataforma b, para pegar o trem com destino a rabiola. o trem demorou a chegar, macabéa acreditou ter se atrasado por conta da apresentação do mágico e não achava mais graça nos truques que a fizera rir. por causa deste momento de diversão se atrasaria pra chegar em casa, se atrasaria para verificar todas as porcas e parafusos da coleção e poderia perder o famoso programa de rádio com suas gotinhas de tempo.
ainda perdida em seus pensamentos viu o trem aparecer lá longe, e se aliviou ao perceber que não se atrasaria tanto assim, ainda ouviria algumas gotas de tempo. entrou no trem e, diferente de sempre, observava as pessoas que lá estavam. eram senhoras gordas com seus netos no colo, outros segurando em suas pernas. homens com a roupa suja e suada após a jornada de trabalho. não podia assegurar que não eram as pessoas de sempre, no vagão de sempre, no trem de sempre, afinal, havia se atrasado um pouco e também nunca se atentava a estes detalhes do trem.
foi reparando nos parafusos do chão, do teto, da parede, sim, eles eram bonitos e bem maiores do que os que tinha em sua coleção. vontade de desatarraxar um por um e levá-los para junto dos outros, da sua linda coleção de parafusos e porcas. mas não o fez, e riu de seu pensamento e covardia de não o fazer.
um homem aparece gritando, vem de longe, lá da outra ponta do vagão, é tanta gente junta e apertada que ela não consegue entender o que o homem diz, mas aguarda curiosa para ouvir e compreender seus gritos. percebe então que somente ela se atenta ao que o homem grita, a todos os outros que no trem se encontram parece que ninguém ali grita ou diz algo, continuam afogados em seus pensamentos e murmúrios.
quanto mais próximo o homem chega, maior a curiosidade, até que macabéa consegue entender o que ele grita: “olha a banha do peixe-boi, baaaanha do peixe-boi!! é bom pra friera, mal odor, dor muscular, cortes, dor nas costas e na cabeça, é a banha do peixe-boi, baaaanha do peixe-boi. cura tudo!”. macabéa não entende o que é banha do peixe-boi. afinal, a banha é do peixe ou do boi?
ao pedir licença pra passar pelo estreito espaço entre ela e a gorda senhora com os netos, macabéa segura o homem pelo braço, e pergunta o que seria banha de peixe-boi. o homem a olha dos pés à cabeça, e ri:
- a senhora nunca comprou a banha do peixe-boi?? ela cura tudo dona moça, tem que ter em casa porque ela cura tudo.
macabéa sorriu envergonhada, não poderia confirmar que ainda não tinha banha do peixe-boi em casa, afinal todos ali do trem já deveriam ter os seus potes.
- ah tá, a banha do peixe-boi que cura tudo, agora sei.
o homem pede licença novamente e segue seu caminho por entre os passageiros do trem, ainda gritando sobre a pomada. macabéa fica lá, parada, pensando, sempre pensando. até que começa a andar e também pedir licença por entre os passageiros, todos a olham com ar de aborrecimento por tamanho desconforto causado no trem já apertado.
macabéa consegue alcançar o vendedor, toma coragem e pergunta:
- ô moço, mas essa pomada aí cura mesmo? cura tudo, como o senhor me disse ainda há pouco?
o vendedor já não quer mais explicar, afinal, tinha acabado de falar sobre seu produto e nem para a moça comprar uma pomada, ficou lá olhando com sua cara de paspalha pra ele.
- é moça, eu já não te falei?, diz ele entre uma bufada e outra.
- mas moço, cura tudo mesmo, né? porque se curar tudo mesmo eu vou querer uma pra mim!, diz macabéa já abrindo um sorriso que deixava à mostra a falta de alguns de seus dentes na boca.
- cuuuura, moça, cuuuura. vai querer quantas?, o vendedor já colocava alguns potes da pomada na mão para vender pra moça chata que tanto o aborrecia com suas perguntas e feiura.
- não sei moço, quantos o senhor acha que é preciso pra curar a dor da saudade?

2 comentários:

Serginho Tavares disse...

Você tem que escrever mais, publicar e ficar rico de vez. O Brasil não precisa de Paulo Coelho. Ele precisa de Vinícius Trein

Alberto Pereira Jr. disse...

Clarice é tudo né?