segunda-feira, 8 de junho de 2009

he's so heavy...

ele é uma criança adulta, sabe a hora de me fazer rir e a hora de falar sério. tem personalidade forte (é necessário pra lidar com a minha) e não abaixa a cabeça pra mim, mas sabe reconhecer que - na maioria das vezes - eu tenho razão. é carinhoso, atencioso, cozinha bem, gosta de fazer as coisas de casal, não faz questão de balada. é bom, mas não do tipo que irrita. bom do tipo que ajuda, não do que se doa demais. não aqueles burros, sabe? e ele vem me buscar no trabalho, aparece de surpresa na hora do almoço. me liga só pra dizer que me ama, me leva café na cama.
ele é inteligente. porque gente burra só sabe sugar da gente. quero uma relação de troca, quero aprender e ensinar. quero ter algo pra passar também, mas quero aprender junto.
crescer.
tem que ser bonito. e bom de cama. e protetor. tem que me proteger sempre, apesar de eu ser bem grandinho e saber como fazer isso. ele tem que querer me proteger.
ele gosta de jogar videogame, mas nunca consegue ganhar de mim. joga baralho e nunca perde. não bebe muito, mas não se incomoda que eu beba.
é ciumento na medida certa e me acha a coisa mais incrível do mundo - e eu penso o mesmo dele.

because the sky is blue.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

quanto custa a banha do peixe-boi?

macabéa voltava todo dia do trabalho mergulhada em seus pensamentos. chegava em casa e verificava todas as porcas e parafusos de sua coleção para se certificar que estavam todos ali. naquela quarta-feira não foi diferente, após longas horas na máquina de escrever macabéa encosta a cadeira com estofado já desgastado pelo tempo e peso das pessoas que nela sentaram. no caminho até a estação de trem, se distraiu com uma apresentação de mágicos na rua, se emocionou ao ver o pombo saindo da cartola e acabou dando algumas moedas que ainda tinha no bolso. não, nesse dia não quis comer o tradicional quebra-queixo que sempre comia. o vendedor, ao vê-la passar direto pela sua barraca nada entendeu, e ainda questionou se não estava com pressa. com a bolsa escondendo o rosto macabéa desceu a ladeira correndo, envergonhada por não comprar o quebra-queixo do vendedor como sempre faz.
na fila da catraca ainda ria sozinha dos truques do ilusionista que vira ainda há pouco, passou pela catraca e se dirigiu à plataforma b, para pegar o trem com destino a rabiola. o trem demorou a chegar, macabéa acreditou ter se atrasado por conta da apresentação do mágico e não achava mais graça nos truques que a fizera rir. por causa deste momento de diversão se atrasaria pra chegar em casa, se atrasaria para verificar todas as porcas e parafusos da coleção e poderia perder o famoso programa de rádio com suas gotinhas de tempo.
ainda perdida em seus pensamentos viu o trem aparecer lá longe, e se aliviou ao perceber que não se atrasaria tanto assim, ainda ouviria algumas gotas de tempo. entrou no trem e, diferente de sempre, observava as pessoas que lá estavam. eram senhoras gordas com seus netos no colo, outros segurando em suas pernas. homens com a roupa suja e suada após a jornada de trabalho. não podia assegurar que não eram as pessoas de sempre, no vagão de sempre, no trem de sempre, afinal, havia se atrasado um pouco e também nunca se atentava a estes detalhes do trem.
foi reparando nos parafusos do chão, do teto, da parede, sim, eles eram bonitos e bem maiores do que os que tinha em sua coleção. vontade de desatarraxar um por um e levá-los para junto dos outros, da sua linda coleção de parafusos e porcas. mas não o fez, e riu de seu pensamento e covardia de não o fazer.
um homem aparece gritando, vem de longe, lá da outra ponta do vagão, é tanta gente junta e apertada que ela não consegue entender o que o homem diz, mas aguarda curiosa para ouvir e compreender seus gritos. percebe então que somente ela se atenta ao que o homem grita, a todos os outros que no trem se encontram parece que ninguém ali grita ou diz algo, continuam afogados em seus pensamentos e murmúrios.
quanto mais próximo o homem chega, maior a curiosidade, até que macabéa consegue entender o que ele grita: “olha a banha do peixe-boi, baaaanha do peixe-boi!! é bom pra friera, mal odor, dor muscular, cortes, dor nas costas e na cabeça, é a banha do peixe-boi, baaaanha do peixe-boi. cura tudo!”. macabéa não entende o que é banha do peixe-boi. afinal, a banha é do peixe ou do boi?
ao pedir licença pra passar pelo estreito espaço entre ela e a gorda senhora com os netos, macabéa segura o homem pelo braço, e pergunta o que seria banha de peixe-boi. o homem a olha dos pés à cabeça, e ri:
- a senhora nunca comprou a banha do peixe-boi?? ela cura tudo dona moça, tem que ter em casa porque ela cura tudo.
macabéa sorriu envergonhada, não poderia confirmar que ainda não tinha banha do peixe-boi em casa, afinal todos ali do trem já deveriam ter os seus potes.
- ah tá, a banha do peixe-boi que cura tudo, agora sei.
o homem pede licença novamente e segue seu caminho por entre os passageiros do trem, ainda gritando sobre a pomada. macabéa fica lá, parada, pensando, sempre pensando. até que começa a andar e também pedir licença por entre os passageiros, todos a olham com ar de aborrecimento por tamanho desconforto causado no trem já apertado.
macabéa consegue alcançar o vendedor, toma coragem e pergunta:
- ô moço, mas essa pomada aí cura mesmo? cura tudo, como o senhor me disse ainda há pouco?
o vendedor já não quer mais explicar, afinal, tinha acabado de falar sobre seu produto e nem para a moça comprar uma pomada, ficou lá olhando com sua cara de paspalha pra ele.
- é moça, eu já não te falei?, diz ele entre uma bufada e outra.
- mas moço, cura tudo mesmo, né? porque se curar tudo mesmo eu vou querer uma pra mim!, diz macabéa já abrindo um sorriso que deixava à mostra a falta de alguns de seus dentes na boca.
- cuuuura, moça, cuuuura. vai querer quantas?, o vendedor já colocava alguns potes da pomada na mão para vender pra moça chata que tanto o aborrecia com suas perguntas e feiura.
- não sei moço, quantos o senhor acha que é preciso pra curar a dor da saudade?

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

o sentimento de não estar de todo...

...mas agora acontece que o homem-menino não é um cavalheiro, mas um cronópio que não entende bem o sistema de linhas de fuga graças às quais se cria uma perspectiva satisfatória dessa circunstância, ou então, como acontece nas colagens mal resolvidas, sente-se numa escala diferente com relação à da circunstância, uma formiga que não cabe num palácio ou um número quatro em que não cabem mais do que três ou cinco unidades. a mim, isto me acontece palpavelmente, às vezes sou maior do que o cavalo em que monto, e outros dias caio em um dos meus sapatos e me dou um golpe terrível, sem contar o trabalho para sair, as escadas fabricadas laço a laço com os cordões e a terrível descoberta, já na margem, de que alguém guardou o sapato num guarda-roupa e que estou pior do que edmundo dantés no castelo de if, porque nem sequer há um abade à disposição nos guarda-roupas de minha casa.

júlio cortázar, o sentimento de não estar de todo